quinta-feira, 30 de abril de 2015

{Yesterday's Book} As Virgens Suicidas

Apesar de não estar lendo com frequência, ontem tive acesso à um kindle (que não era um kindle, mas eu basicamente falo que tudo é kindle) e acabei folheando as páginas virtuais de As Virgens Suicidas. Para minha surpresa, o livro acabou por me fisgar, e quando cheguei em casa, corri para baixar o PDF e lê-lo.

As Virgens Suicidas (The Virgin Suicides, no original) foi escrito por Jeffrey Eugenides. O livro se passa nos anos 70 e nos apresenta o ponto de vista de um grupo de garotos que têm um fascínio pelas irmãs Lisbon, que moram na casa da frente. Até que um dia, uma das irmãs se suicida, e eventualmente todas seguem o mesmo caminho. 

Ainda estou um pouco afetada por causa do livro. É um daqueles livros que deixam a sua visão e mente turvas por um tempo, até que você possa se estabelecer de volta na realidade. O livro é tão detalhado e apresenta tão bem os personagens e sua vida que você consegue sentir que está respirando o mesmo ar que eles - até porque eles descrevem o cheiro do ambiente -, o que só aumenta essa sensação.

Bem, o livro passa a clara lição de que as gerações passadas não devem impor seus ideais nas posteriores. Os pais das garotas Lisbon são extremamente conservadores, e por isso privam as garotas de tudo, de uma maneira já ultrapassada para sua época. Não é certo que Cecilia, a mais nova e primeira das irmãs a cometer suicídio, se matou por causa disso - Na verdade, não é claro por que nenhuma delas se matou (inclusive há uma passagem falando sobre isso e sobre o suicídio em geral que eu gostei muito e que colocarei ao final do post) -, mas é visível que, depois da morte de Cecilia, a rigidez dos pais das meninas foi a outro nível (ou será que simplesmente virou descaso? Não sei dizer). O exterior da casa morre aos poucos, e eventualmente as garotas lá dentro também. 

Não sei direito o que falar do livro. Foi intenso. Você vê as garotas pelo ponto de vista dos meninos, e por isso elas são como deusas. Então, elas começam a morrer ainda vivas, até de fato morrerem de uma vez por todas. É uma sensação muito estranha. Eles mal as conhecem, mas a observam com intensidade todos os dias, louvando-as e amando-as à distância, juntando os pertences que elas deixam por aí, colecionando fios de cabelo e tênis de cano alto. 

O livro inteiro se trata de uma lembrança repleta de devaneios. Os garotos já estão velhos, alguns casados ou divorciados, mas ainda assim eles continuam a louvar as garotas que amaram há tantos anos atrás, e relembram os momentos com elas, misturando as cenas à informações que conseguiram posteriormente, anos depois do suicídio delas. Às vezes, estamos numa cena em tal dia e tal hora e fugimos para outra pessoa, anos depois, anos antes, até que enfim voltamos a tal cena. É uma viagem através da lembrança de outras lembranças, ou seja, a lembrança dos narradores sobre o que lhes foi dito e também sobre o que eles viram. Well, é uma viagem, simplesmente. 

Apesar das descrições e devaneios terem sido muito interessantes e terem me ajudado a me situar no bairro onde a história se passa, elas acabaram se tornando um defeito do livro. Eventualmente, o excesso de detalhes acaba se tornando cansativo, e o desfoque das meninas passa a ser irritante. A leitura acabou se tornando maçante. As últimas páginas foram praticamente insuportáveis, assim como outras cenas do livro, que só me causavam sono. 

Entretanto, o livro foi - como eu já disse - intenso. A ânsia dos garotos de ver as Lisbon e sua alegria ao conseguir ver um vislumbre de suas silhuetas foi fascinante. Sua relação com elas é de vem a magia do livro. Eles não as conhecem, mas querem conhecer. Esse sentimento é passado facilmente para o leitor, que passa a ansiar por desvendá-las também. Ter a chance de conhecer a vizinhança através dos olhos desses garotos é definitivamente o diferencial e a melhor parte do livro. 

Bem, foi um livro muito bom, que me deixou um pouco sem palavras. Acho que é um daqueles que você precisa simplesmente ler e tirar suas próprias conclusões. Deixo aqui meu amor e devoção às "virgens" suicidas: Cecilia, Lux, Therese, Bonnie e Mary

Nota Final:


"Ficamos sabendo que as meninas eram gêmeas nossas, que todos existíamos no mesmo espaço como animais de peles idênticas, e que elas sabiam tudo a nosso respeito embora não entendêssemos coisa alguma sobre elas. Ficamos sabendo, enfim, que na verdade as meninas eram mulheres disfarçadas, que compreendiam o amor e também a morte, e que o nosso trabalho era apenas gerar o ruído que parecia fasciná-las"

"[...] Sentiu as canelas úmidas, os joelhos quentes, as coxas eriçadas, e em seguida, aterrorizado, enfiou o dedo na boca esfomeada do animal que se alojava abaixo da cintura da menina. Foi como se nunca tivesse encostado em uma garota antes"

"'Estava tão assustado. E ela também. Peguei a mão dela e não sabíamos o que fazer. Se devíamos entrelaçar os dedos ou não. Acabamos fazendo isso. É a minha lembrança mais forte. Essa coisa dos dedos'"

"O schnapps de pêssego se desvaneceu enquanto ele provava o sumo dos órgãos internos, todos levemente ácidos de sofrimento"

"'Assim fica melhor', disse. Passadas quase duas décadas, o pouco cabelo que ainda lhe resta continua dividido pela mão invisível de Bonnie"

"Uma bala para abusos domésticos. Uma bala para predisposição genética. Uma bala para mal-estar histórico. Uma bala para ímpeto inevitável. As outras duas balas são impossíveis de nomear, mas isso não significa que não estivessem ali"

"De certo modo não as conhecíamos mais, e seus novos hábitos [...] faziam com que nos perguntássemos se um dia as tínhamos realmente conhecido, ou se nossa vigilância não tinha passado de uma papiloscopia de fantasmas"

"Ela se virou, lançou o olhar azul em todas as direções, o mesmo olhar colorido das meninas, gélido, espectral e incognoscível, e então virou as costas e seguiu o marido para dentro da casa"

"As meninas Lisbon tornaram o suicídio algo familiar. Mais tarde, quando outros conhecidos escolheram acabar com as próprias vidas [...], sempre os imaginamos como se estivessem tirando botas incômodas para adentrar o bolor altamente associativo de um chalé no alto de uma duna, de frente para o mar"

"Elas nos fizeram participar de sua própria loucura, porque não conseguíamos deixar de refazer seus passos, repassar seus pensamentos, e ver que nenhum deles conduzia até nós. Não conseguíamos imaginar o vazio de uma criatura que encosta uma navalha nos pulsos e abre as veias, o vazio e a tranquilidade"

"No fim não importava quantos anos elas tinham ou que fossem meninas, mas apenas que as amamos e que elas não nos ouviram chamar"


Ps: Sim, sim, estou ciente de que As Virgens Suicidas tem filme! Irei assisti-lo em breve e muito provavelmente irei comentá-lo por aqui. Seeya. 

3 comentários:

  1. Nossa parece uma viagem total mesmo! Já tinha baixado o PDF (quando eu iria ler, não sei, rs) mas depois da sua resenha... não que não seja bom, mas dependendo do livro, da escrita, eu não gosto quando ele é muito misturado. E tipo, que pedófilos os caras lá, adultos, idolatrando as gurias ainda, kkk.
    Beijo Mah,

    http://lucyintheskywithbooks.blogspot.com.br/

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  2. Fiquei mt desconfortável em como foi fácil pra mim imaginar a parte "Não conseguíamos imaginar o vazio de uma criatura que encosta uma navalha nos pulsos e abre as veias, o vazio e a tranquilidade", nossa, parece que eu tava abrindo os próprios pulsos. Parece mt interessante, mas mt loco

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    1. É mtmtmt louco. E pois é, eu também me identifiquei... Agora nem tanto, mas dá pra entender, né. Que coisa.

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